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sábado, 17 de setembro de 2016

A Linda História de Judith Scott, Artista com Síndrome de Down que Nunca Falou Uma Palavra

gemeas




As esculturas de Judith Scott se parecem com casulos gigantes ou ninhos. Elas começam com objetos comuns — uma cadeira, um cabide de arame, um guarda-chuva ou mesmo um carrinho de compras — que são totalmente engolidos por linhas, fios, tecidos e barbantes, freneticamente embrulhados assim como uma aranha mumifica sua presa.

As peças resultantes são embrulhos apertados de textura, cor e forma — abstratos, mas, ainda assim, intensamente corporais em sua presença e poder. Elas sugerem uma maneira alternativa de ver o mundo, não baseada no saber, mas no tocar, pegar, amar, nutrir e comer o todo.

Como um pacote embrulhado descontroladamente, as esculturas parecem possuir algum segredo ou significado que não pode ser acessado, exceto por uma energia que se irradia; o misterioso conforto de saber que algo é verdadeiramente incompreensível.

obra de judith scott
Obra de Judith Scott no Museu do Brooklyn, em 2014
Judith e Joyce Scott nasceram em 1º de maio de 1943, em Columbus, no estado de Ohio (EUA). Eram gêmeas fraternas. Judith, no entanto, carregava o cromossomo extra da Síndrome de Down e não conseguia se comunicar verbalmente. Apenas mais tarde, quando Judith tinha cerca de 30 anos, foi devidamente diagnosticada como surda.
“Não há palavras, mas não precisamos de nenhuma”, Joyce escreveu em seu livro de memórias Entwined ("entrelaçadas", em tradução livre; inédito no Brasil), que conta a desconcertante história de sua vida com Judith. “O que amamos é o conforto de sentarmos com nossos corpos próximos o suficiente para tocar.”

Quando crianças, Joyce e Judith ficavam embrulhadas em seu próprio mundo secreto, cheio de aventuras no quintal e rituais inventados cujas regras nunca eram ditas em voz alta.

Em uma entrevista ao Huffington Post, Joyce explicou que, quando menina, não tinha consciência de que Judith tinha uma deficiência mental, ou mesmo que era, de certa forma, diferente.

irmãs


“Ela era apenas a ‘Judy’ para mim”, disse Joyce. “Não achava que ela fosse diferente de forma alguma. À medida que fui ficando mais velha, comecei a perceber que as pessoas no bairro a tratavam de maneira diferente. Aquele foi meu primeiro pensamento, que as pessoas a tratavam mal.”

Quanto tinha 7 anos, Joyce acordou em uma manhã e Judy não estava lá. Seus pais haviam mandado Judy para uma instituição pública, convencidos de que ela não tinha nenhuma perspectiva de viver uma vida convencional e independente.

Sem o diagnóstico de surdez, considerou-se que a deficiência mental de Judy era muito mais profunda do que a real — “ineducável”. Com isso, Judy foi levada da própria casa no meio da noite, e sua família raramente a visitou ou falou com ela novamente. “Eram outros tempos”, contou Joyce, com um suspiro.

Quando Joyce foi visitar a irmã, acompanhada dos pais, ficou horrorizada com as condições encontradas na instituição do governo.

“Vi quartos cheios de crianças”, escreveu, “crianças sem sapatos, às vezes, sem roupas. Algumas estão em cadeiras e bancos, mas a maioria está deitada em esteiras no chão, algumas viram os olhos, os corpos torcidos e contraídos”.

Em seu livro Entwined, Joyce conta, em vívidos detalhes, suas memórias ao entrar na adolescência sem Judy. “Ficava preocupada que Judy pudesse ser completamente esquecida caso eu não me lembrasse dela”, escreve.

“Amar Judy e sentir falta dela pareciam quase a mesma coisa.” Por meio da escrita, Joyce quer se assegurar que a dolorosa e marcante história de sua irmã não será esquecida, nunca.

Joyce narra os detalhes do começo de sua vida com surpreendente precisão, do tipo que faz alguém questionar a capacidade de se descrever a própria história com qualquer tipo de coerência ou de verossimilhança.

“Apenas tenho uma boa memória”, Joyce explicou por telefone. “Como Judy e eu vivíamos em um mundo tão físico, sensorial, as coisas meio que ficaram gravadas em meu ser de maneira muito mais forte do que se eu passasse muito tempo com outras crianças.”


exposição no museu do brooklyn
Obra de Judith Scott em exposição no Museu do Brooklyn, em 2014
Quando jovens adultas, as irmãs Scott continuaram tendo vidas separadas. O pai delas faleceu. Joyce ficou grávida quando estava na faculdade e ofereceu a criança para adoção. Um dia, falando com a assistente social de Judy, Joyce soube que a irmã era surda.

“Judy vivia em um mundo sem som”, Joyce escreveu. “E agora eu entendo: o quão importante era nossa conexão, o quão juntas sentíamos cada pedaço de nosso mundo, o quanto ela saboreava seu mundo e parecia respirar em suas cores e formas, o quão cuidadosamente observávamos e delicadamente tocávamos tudo, à medida que sentíamos nosso caminho ao longo de cada dia.”

Não muito depois daquela constatação, Joyce e Judy se reconectaram, permanentemente, quando Joyce se tornou a tutora legal de Judy, em 1986.

Agora casada e com dois filhos, Joyce trouxe Judith para sua casa em Berkeley, na Califórnia. Embora Judith nunca houvesse demonstrado muito interesse por arte, Joyce decidiu inscrevê-la em um programa chamado Creative Growth, em Oakland, um espaço para artistas adultos com deficiências de desenvolvimento.

A partir do primeiro minuto que Joyce entrou no lugar, ela pôde perceber a energia singular, apoiada sobre o desejo de criar sem expectativa, hesitação ou ego.


“Tudo irradia sua própria beleza e uma vivacidade que não busca aprovação, apenas se celebra”, escreveu. Judith experimentou vários meios de comunicação apresentados pela equipe — desenho, pintura, argila e esculturas em madeira —, mas não demonstrou interesse por nenhum.


No entanto, um dia, em 1987, a artista especialista em fibras Sylvia Seventy deu uma palestra na Creative Growth, e Judith começou a tecer. Ela começou colecionando objetos aleatórios, do dia a dia, qualquer coisa que ela pudesse por as mãos.

“Uma vez, ela pegou o anel de casamento de uma pessoa, e o contracheque do meu ex-marido, coisas assim”, disse Joyce. O estúdio permitia que ela usasse praticamente qualquer coisa que pudesse agarrar — o anel de casamento, no entanto, foi devolvido ao dono.
E, então, Judith tecia camada sobre camada de barbantes, fios e toalhas de papel, se não houvesse nada mais disponível, em torno do objeto central, permitindo que várias estampas surgissem e se dissipassem.
entrelaçadas

“A primeira peça da obra de Judy que vejo é algo em formato de gêmeos amarrado com cuidadoso carinho”, escreve Joyce. “Eu imediatamente entendo que ela sabe que somos gêmeas, juntas, dois corpos unidos como um.

E choro.” A partir de então, o apetite de Judith por fazer arte se tornou insaciável. Ela trabalhava oito horas por dia, embrulhando cabos de vassoura, colar de contas e móveis quebrados em teias de barbante colorido.

Em vez de palavras, Judith se expressava por meio de seus cascos radiantes de coisas e barbantes, instrumentos musicais bizarros cujo som não podia ser ouvido. Além de sua linguagem visual, Judith falava por meio de gestos dramáticos, echarpes coloridas e beijos imitados, que ela generosamente dava em suas esculturas finalizadas, como se fossem seus filhos.

Em pouco tempo, Judith passou a ser reconhecida na Creative Growth e em outros lugares por seu talento visionário e personalidade cativante.

artista visionaria

Sua obra já foi exposta em museus e galerias ao redor do mundo, como em Nova York, no Museu do Brooklyn, Museu de Arte Moderna, Museu de Arte Popular Americana; e em Baltimore, também nos EUA, no Museu de Arte Visionária Americana.

 Em 2005, Judith faleceu aos 61 anos, muito repentinamente. Em uma viagem em um fim de semana com Joyce, deitada ao lado da irmã na cama, ela simplesmente parou de respirar.

Judith viveu 49 anos além de sua expectativa de vida, e passou praticamente os 18 anos finais fazendo arte, rodeada por entes queridos, defensores e fãs.

Antes de sua viagem final, Judith havia acabado de finalizar o que seria sua última escultura que, estranhamente, era totalmente preta. “Era muito incomum ela criar uma peça sem cor”, afirmou Joyce.

“Nós, que a conhecíamos, interpretamos a obra como um desapego da vida. Acho que ela se relacionava com as cores da mesma maneira que todos nós. Mas quem sabe? Não podíamos perguntar.”

Essa questão está entrelaçada em todo o livro de Joyce, repetida vezes e mais vezes de formas distintas, mas familiares.

Quem era Judith Scott? Sem palavras, podemos saber um dia? Como uma pessoa que enfrentou uma dor desconhecida sozinha e em silêncio, responde somente, de maneira inimaginável, com generosidade, criatividade e amor?

"Judy é um segredo e quem sou eu é um segredo, até mesmo para mim”, escreve Joyce.

As esculturas de Scott, por si mesmas, são segredos, impenetráveis pilhas de coisas cujos exteriores deslumbrantes o distraem da realidade de que há algo debaixo.

Nunca conheceremos os pensamentos que passaram pela mente de Judith durante seus 23 anos sozinha em instituições públicas ou os sentimentos que pulsaram por seu coração quando segurou um carretel de linha pela primeira vez.

Mas podemos ver seus gestos, suas expressões faciais, a maneira pela qual seus braços voariam através do ar para apropriadamente aninhar uma cadeira em seu quinhão de pano esfarrapado. E, talvez, isso seja o suficiente.

“Ter Judy como gêmea foi o presente mais incrível de minha vida”, disse Joyce. “A única vez que senti um tipo de felicidade absoluta e uma sensação de paz foi em sua presença.”

judy


Joyce atualmente trabalha como defensora de pessoas com deficiências e está engajada em montar um estúdio e workshop para artistas com deficiência nas montanhas de Bali, em homenagem à Judith. 

“Minha maior esperança é que haverá espaços como o Creative Growth em todos os lugares, e pessoas que foram marginalizadas e excluídas teriam a oportunidade de encontrar suas vozes”, afirmou Joyce.

 http://www.brasilpost.com.br

Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.

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